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Lone abiõn

Ele trabalhava com aviões. Rebocava-os. Talvez os lavasse à mangueirada, lhes passasse a mão nas asas, até, quiçá, falasse com eles.  A primeira tentação é a da grandeur:  um avião, media, redes sociais. Depois vacilamos um pedacito: um discurso amável, sem rancor contra ninguém, o desejo calmo de despenhar a máquina. Tretas. Não sabemos nada dele.

Então por que o trago aqui? Pela reacção que nos provoca, a nós, pessoal de terra, um suicídio tão original mas ao mesmo tempo com elementos  tão comuns.
 Não quis arrastar ninguém, ao contrário destes, não  acusou ninguém, não mudou de ideias numa hora de conversa com o pessoal de terra. Suavidade sim, mas também aquilo que existe em todos os suicídios: um incrível momento de solidão. Não existe nada, mesmo nada, mais solitário do que esse  último instante . Tanto assim que nada sabemos dele.

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After eight

Depois da excitação sasonal, o assunto da morte de mulheres vai voltar ao remanso. Quando publiquei o livro pude estender o lençol , mas o registo pseudo-literário evitou algumas notas. Agora posso pôr a colcha. Na minha actividade profissional encontro amiúde o início do processo. Mais: encontro até processos que não chegam a ser. Duas correntes: a necessidade assumida que muitas mulheres  têm hoje de uma vida amorosa plena e a estupidificação dos maridos/companheiros/namorados diante dessa necessidade. Se a esmagadora maioria da violência sobre  elas  tem a ver com ciúme  e posse, temos de examinar a evolução das relações amorosas. O João foca-se aqui na saudade dos velhos mecanismos da solidariedade mecânica, como Durkheim a definiu, mas eles morreram bem antes do surto actual. Falando simples: se elas amochassem como amochavam há 40 anos ( não é preciso ir à sociologia do século XIX), muitos destes crimes não ocorriam hoje. A posse, a ilusão de uma garantia sobre o co

Farsas

Os três filmes sobre a luta contra  o comunismo na Polónia são polacos. Ou seja, o assunto, um dos mais importantes da vida europeia do final do século  XX, nunca interessou às grandes companhias  de Hollywood nem aos produtores, intelectuais e artistas franceses ou ingleses.    Há coerência. Também são raríssimas as incursões da  Europa ilustrada e unida contra o populismo, o fascismo e as fakes news, no quotidiano  de metade dos (actuais) europeus  sob a pata das polícias secretas, da interdição de manifestações, da proibição de livros e do encarceramento por delito de opinião. É evidente que eleger o assunto como tema de atenção significaria mostar como funcionou, na prática, o comunismo. Nos detalhes da repressão e da pobreza e não no palavreado do progresso e  da liberdade. Também havia episódios burlescos. Na Polónia as pessoas festejam o aniversário e o dia  do seu santo.  Quando era a vez de Walesa, uma espectacular pantomina desenrolava-se  diante de sua casa. Uma a u