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Showing posts from September, 2018

A ala fascista do feminismo segundo Sontag

Beauvoir ( O Segundo Sexo, vol1) abre com uma certeza: o debate sobre o feminismo está mais ou menos encerrado . Estávamos em 1949. Uns anitos  depois ( 1975) , Sontag escrevia em resposta a um artigo Adrienne Rich:  Like all capital moral truths, feminism is a bit simple-minded. That is its power and, as the language of Rich’s letter shows, that is its limitation . O que estava em causa era a crítica de Sontag à reabilitação de Leni Riefensthal, apenas por ser mulher, citando exemplos de promoções em festivais de cinema, debates etc. A limitação intelectual,  o funil a galope, é bem explicada por Sontag nesta outra análise. Como definir os limites do heteropatriarcado? Suppose, indeed, that “Nazi Germany was patriarchy in its purest, most elemental form.” Where do we rate the Kaiser’s Germany? Caesarist Rome? Confucian China? Fascist Italy? Victorian England? Ms. Gandhi’s India? Macho Latin America? Arab sheikery from Mohammed to Qaddhafi and Faisal? Most of h

Identidade trocada

Diz  Morais Sarmento: "As pessoas perderam a sua identidade nas sociedades modernas. É o artigo do Pacheco Pereira sobre o casal da outra margem, que é a história da colaboradora aqui de casa. Mãe de duas crianças, vive na Quinta do Conde, levanta-se às seis da manhã para pôr a tropa em marcha e chegar cá às nove, nove e meia. Sai daqui às cinco da tarde, demora duas horas a chegar lá, entre as 19 e as oito e meia faz o mesmo que fez cá em casa o dia todo porque não tem ninguém que o faça por ela, depois as crianças têm de comer, deitar-se, etc., e ela talvez tenha entre as dez e as dez e meia para existir, que se traduz em ser livre e poder escolher. Isto é a vida de nós todos: a dela na Quinta do Conde; a minha aqui, no escritório, na política, em Moçambique". Tentar  perceber uma direcção política  passa também por conhecer o que pensam os principais conselheiros. Pelo meio de umas parábolas sobre o hardware  ( a Constituição)  e o software ( os partidos), o ex-mini

Da generosidade

Gasset brinca  ( El Espectador, 1925) com o sentido original do termo ( testemunha , tradução  literal do martyros grego) quando uma ninfeta o interpela. Ela quer saber como Gasset vive sem apanhar sol: - Es qué yo no vivo, señora. - Pues qué hace usted? - Asisto a la vida de los demás. É por vezes a sensação que o psicoterapeuta  tem: assistir  à vida dos outros . O objectivo, infantil talvez, reconheço, é extrair os factores comuns - o  que existe em todas as relações, em todos os cenários. A tarefa lá  vai, aos tortolos, hesitando entre o desperdício e a solidão. Recentemente tenho notado um ponto comum aos que menos desperdiçam e menos se sentem sós: a generosidade. Estarei a ficar velho e piegas? Velho,  de certeza, piegas, não: continuo  o mesmo bode egoísta. A descentralização do ego faz de facto muito bem. Como é que conseguem? Talvez porque, no fim de contas, os generosos recebam uma recompensa ambrosiana: dependem menos dos outros. Desperdiçam, portanto, meno

Sexo & divórcios

Já ouvi centenas de  justificações para divórcios. Todas excelentes, nenhuma dúvida. Recordo uma, transmitida  pela mulher, jovem, com uma bebé de um ano: Ele está sempre a ver programas de que eu não gosto e não me deixa ter o comando . É uma boa causa. Tirassem-me a Benfica TV e haviam de ver em quanto tempo alugava um T2. Há uma, no entanto, que nunca ouvi: o sexo é mau . E é notável, porque  o que distingue um casal de um par de amigos ou de irmãos que vivem juntos é o sexo. Quando falo de sexo falo de tudo: provocação, aggiornamento, evolução, privacidade. As pessoas, sem  dar conta, vão perdendo a zona vermelha: dos cheiros, risos, pele, excitação. Isto faz com que o casal constitua  a comissão política  exclusivamente sobre a intendência: contas do gás, crianças, microondas avariado etc. Serão assuntos  importantes, acredito, mas  enredados numa lógica cooperativa semelhante à da vida profissional ou do condomínio. O quarto ( ou equivalente) é o espaço conspirativo q

Pequenas memórias

Entre Julho e Agosto de 1981, três jornalistas da RTP foram alvo da disciplina interna. Carlos Pinto Coelho e Rui Camacho foram à cadeia entrevistar Carlos  Antunes para o programa A Par e Passo ; José Mensurado criticou o presidente  da estação, Proença de Carvalho. Os dois primeiros foram demitidos dos cargos que ocupavam, o terceiro foi despedido. Um pouco antes, em Maio, o ministro da Qualidade de Vida, Ferreira do Amaral, dizia que andava  a engolir elefantes vivos por causa da permanência de Proença de Carvalho à frente da RTP. A 1de Julho do mesmo ano, a maioria  AD aprova, na AR, o  Estatuto dos Deputados que prevê um generoso aumento dos vencimentos. A 4, Eanes diz que  rejeitará  um aumento exagerado do vencimento proposto pelos parlamentares.  A 11, o Bispo de Bragança  critica o aumento dos vencimentos dos deputados. Em Novembro  chega a Lisboa uma delegação do FMI . * com a inestimável ajuda de  João Morais e Luís Violante ( 1986)

A relação sintagmática

Nenhuma  das histórias é exactamente assim , mas eu também estou a léguas  do Mário-Henrique. Pela enésima vez: Como é possível ele dizer-me num dia que me ama para sempre e no dia seguinte dizer que tem de pensar e depois acabar ? . A linguagem é muito sobrevalorizada. O Silva ama a mulher, não pode viver sem ela , por isso mata-a. O Mário-Henrique  Leiria ( Contos do gin tónico ) também explica: Na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, até que a morte vos separe: Perfeitamente. Sempre cumpri o que assinei. Portanto estrangulei-a  e fui-me embora.  Dizer não custa nada; não dizer, ainda menos.

Sexo & aplicações

Aplicações de encontros. É esse o nome do Tinder, do Happn e de muitas outras. É um nome razoável: simples, directo ao assunto. Nos últimos três-quatro anos coleccionei dezenas de casos de pessoas que mudaram a sua vida sexual  por causa destas aplicações. Já dá para fazer uma pequena e modesta  análise: tenho as notas de 18 histórias. Todas mulheres, todas hetero ( outros géneros eram em número residual), todas abaixo dos 49 ( lá se vai esta lengalenga )  e todos casos que conheço bem: estão ou estiveram em terapia ou em aconselhamento pontual ( eliminei todos as consultas sem seguimento). Um dos primeiros que me chamou a atenção foi o de uma mulher  de  31 anos, muito agraciada pela Natureza, inteligente  e com sentido de humor. Para que raio precisava ela de uma aplicação de encontros? Quando a conheci melhor  compreendi. Um par de relações gatadas, nenhuma vontade de se comprometer -  bastante de voltar a ter sexo -,vida profissional preenchida. À noite, sozinha,  tentava encon

A poesia não serve para nada e ainda bem

Cristovam. Nasce em 1933, em Lisboa,  suicida-se em 1968, em Lisboa. Filho de Francisco Bugalho ( ele também Bugalho, Pavia era nom de plume ), recomendava  suster o peso da hora, não vergar .  Podem encontrá-lo em 35 Poemas , Moraes Editora,  1959, mas eu encontro-o nisto:  "Até as imagens  me são inúteis, porque contemplo tudo". Vem isto a propósito dos incêndios sobre os incêndios . Nemésio é um matorral infinito. Nunca se lê tudo, nunca se tem tudo, nunca se encontra tudo ( eu pelo menos). Por exemplo, muito gostaria  de ver uma  cópia da carta escrita  a Virginia Woolf ( Março de 1937). Um pedaço elegante,  contido , perfeito ( voz arredada faz chorar de tão bom), do Aldeia  Negra , uma aldeia como as que hão-de voltar : Até que cinza seja Nosso contorno puro Como voz arredada, E a serra nem se veja: Primeiro, fosco; e escuro Já na terra deixada.

O sexo e a vida moderna

People are worried about their jobs, worried about money. They are not in the mood for sex . O problema, dizem , é  a vida moderna. De facto. Bons tempos  sexuais  foram os da peste, das guerras religiosas, das invasões napoléonicas, do Hitler, da mortalidade infantil , das fossas a céu aberto, da penumónica e, claro, das lamparinas de azeite. Sem preocupações. Those were the  days. A quantidade de  aldrabões encartados também é  a mesma e o truque idem: dizer  às pessoas o que elas querem ouvir, tratá-las como crianças. Quando tenho uma mulher de família  a queixar-se de que o sexo não corre bem por causa da vida moderna - falta de tempo, correria  para o trabalho, filhos, filas no trânsito - ponho os pé sem cima da mesa, recosto-me e incentivo: ai sim? Depois falo-lhe  da bizarra natureza do affair ente pessoas casadas ( oficialmente ou não) com...outras : como, quando se quer alguém, se arranja tempo, lugar, oportunidade etc. Morto o desejo, podemos procurar as  desculpa

A cavalo na mudança

Numa pequena  provocação ( questão geracional, ou seja, estamos ambos velhos) , prometi ao AMN um comentário ao texto que ele próprio disse ter pensado  duas vezes  antes de publicar .  A metafísica da mudança é excitante. Em todas as épocas a mudança foi definida como a mais radical e profunda de sempre. Um conservador tenaz em tempo de vendaval, Metternich, sofreu horrores (  até psicossomáticos) com a onda liberal. Em 1850 identificou  a nobreza como a grande contribuidora para a lista de sintomas de uma época doente  e degenerada . É óbvio que não era assim. A pequena aristocracia   exigia era dietas  livres do poder central ( a húngara)  ou do  estrangeiro ( os nobres   da Lombardia ou do Véneto), mas o lamento  de Metternich ilustra uma das dificuldades  da reacção à mudança: a ilusão  do controlo, no caso, a preocupação com os oportunistas. ADM, no seu texto, chama-lhes populistas.  A fantasia original de cada mudança é, sim, uma questão geracional , por muito que cus

Não me comprometa

Todos nos lembramos  do Jô Soares, não é? Sem um sinal do que fará no Orçamento de Estado para 2019 : MP, polícias,   comunicação social, tudo isso é velho noutras aparições em Castelo de Vide. Tancos e galinhas, muito certo, mas não é política porque se limitou à indignação bem humorada:  para isso temos o  Governo Sombra da TVi. Se Rio queria fazer  politica com Tancos exigia a demissão do inenarrável Azeredo. Está bem abelha... Não dá  sinal do que fará no OGE de 2019 porque não tem sinal nenhum para dar.  Se, como diz,  o problema do governo é a política ecomómica, seria agora uma  oportunidade para especificar em vez de  ficar pela vagueza  habitual. Estava num evento do partido, marcava  a agenda e , sobretudo,  dava um sinal  claro do que pensa (sem ser sobre os media  e críticos internos). Um conclusão preocupante ganha forma: Rio  não sabe o que fazer . Vai gerir a trincheira contra os críticos, os media e os processos aos seus vice-presidentes  - "gosto

Do prazer

É notável como uma coisa maravilhosa pode ser tão desprezada. Acorda-se vivo, os os nossos estão bem,   o café está feito. Se digo isto na clínica,  olham-me com um sorriso de compreensão pelo tolinho que os devia estar a tratar e afinal não acende as luzes nos andares todos. Por vezes rematam o sr dr não sabe o que a vida pode trazer . Nessas alturas sorrio eu:  pois é, pois é... Do optimismo não sei nada,  salvo antes de cada jogo do Glorioso, mas do desperdício da vida , ao fim destes anos todos, sei alguma coisa. A insanidade é um agente  duplo: as pessoas  acham tão vulgares tantas coisas boas que têm, que não lhes passa pela cabeça que possam ser traídas na próxima esquina. O contra-argumento conheço-o de gingeira: então devíamos andar tolinhos de  contentes porque os miúdos estão bem, o carro não foi parar debaixo de um camião,  o ordenado foi depositado etc?   Não se trata de andar contente ou triste. Ele há malta que anda contente em jornadas vingativas e outra que

Criatividade no PSD

1) A direcção do partido vai  processar  os candidatos às autárquicas que  gastaram mais do que o acordado  . Perguntou Rui Rio: Se eu não sei  gerir o partido, como é que poderei gerir o país? É uma excelente pergunta. Ficámos a saber que, se um dia for PM, processará os ministros que gastarem ( ou endividarem-se)  mais do que o orçamentado. Não esperamos menos desta nova forma de gestão política. 2) Ainda não  é clara a definição do direito à crítica. Se criticam no congresso-sítio-certo ( Montenegro), estão a jogar com o tempo; se saem ( Santana), estão a prejudicar; se  criticam nas reuniões ( deputados) , são corrécios.   O foco mediático assestou nas críticas aos críticos , o que é sempre uma boa maneira de passar a mensagem  ao país sobre  o que é ser alternativa ao PS. Talvez fosse melhor uma circular interna: "A bem do personalismo, e em  memória do legado político de  Sá Carneiro, está temporariamente  interdita a crítica política  a esta direcção".

Da loucura normal, o capitalismo.

O governo comunista  do Vietname quer  alugar terra ao governo comunista da China para fazer três mini-Singapuras. O Vietname abriu-se todo . Isto enquanto na Venezuela, ao longo do início deste século, se foi desenrolando uma experiência social. Diz o dr Louçã, um professor de economia política, que o que correu mal foi o chavismo-madurismo não ter montado um sistema produtivo . Errado. Montou um, sim. Ora leiam este resumo. Podia ter sido escrito em  1917, 1953, 1974: Chavez was not only a populist throwing around the oil money; what is largely ignored in international media are the complex and often inconsistent efforts to overcome capitalist economy by experimenting with new forms of the organisation of production, forms which endeavoured to move beyond the alternative of private and state property: farmers and workers cooperatives, workers participation, control and organisation of production, different hybrid forms between private property and social control and organisati