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Da generosidade

Gasset brinca  ( El Espectador, 1925) com o sentido original do termo ( testemunha, tradução  literal do martyros grego) quando uma ninfeta o interpela. Ela quer saber como Gasset vive sem apanhar sol:
- Es qué yo no vivo, señora.
- Pues qué hace usted?
- Asisto a la vida de los demás.
É por vezes a sensação que o psicoterapeuta  tem: assistir  à vida dos outros. O objectivo, infantil talvez, reconheço, é extrair os factores comuns - o  que existe em todas as relações, em todos os cenários. A tarefa lá  vai, aos tortolos, hesitando entre o desperdício e a solidão. Recentemente tenho notado um ponto comum aos que menos desperdiçam e menos se sentem sós: a generosidade.

Estarei a ficar velho e piegas? Velho,  de certeza, piegas, não: continuo  o mesmo bode egoísta. A descentralização do ego faz de facto muito bem. Como é que conseguem? Talvez porque, no fim de contas, os generosos recebam uma recompensa ambrosiana: dependem menos dos outros. Desperdiçam, portanto, menos e  suportam melhor a solidão.

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