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Showing posts from January, 2019

Morte, tempo e memória ( 6)

De quando datam as nossas mais antigas  memórias de infância?  A média anda  pelos  três anos  e meio de idade ( Assumptions of infantile amnesia: are there differences between early and later memories? , West TA, Bauer PJ Memory, 1999 May; 7(3):257-78) .  Depois há a questão  se estão ou não associadas a contextos emocionais fortes (  Kihlstrom JF, Harackiewicz JM: The earliest recollection: A new survey , Journal of Personality. 1982; 50 :134–148). Deixemos a ciência especulativa, vamos para a especulação pura.  Antiguidade e qualidade da mais antiga recordação infantil: para que servem? Sim, por que motivo guardamos coisas enevoadas, as mais das vezes sem relevância nenhuma? O meu dinamarquês preferido tem uma definição de chupeta: um lugar de trânsito para mercadorias avariadas. Os cientistas, como os citados acima,  assinalam que essas memórias são moldadas pelas experiências de vida subsequentes, normas e valores assimilados  ( ou rejeitados) etc. Essas não me interessam:

O PSD, Bourdieu e o bolor

Foi no final do século passado ( Fevereiro de 1999)  que Bourdieu apresentou em Lyon as ideias que viriam  a constar  em Propos sur le champ politique ( PUL, 2000) .  Se o seu conceito de campo politico já era conhecido, nesse trabalho foi mais longe e antecipou, com notável presciência, muito do que observamos hoje. O campo político sofre de uma crise de representação  : a delegação política   já não é suficiente para compreender as relações entre  percepção do mundo social e a luta política. Bourdieu anunciava o aparecimento de relações  diferentes das que os velhos actores do campo politico cultivaram:  a colusão permamente ( alinças e conspirações)  visando a manutenção  da autoridade política e a delegação  política  montada para perpetuar essa colusão. O que assistimos no PSD, hoje, é uma aula prática da previsão ( entretanto confirmada)  de  Bourdieu.  Incapaz de se ligar ao mundo social,  a actual direcção enredou-se nos velhos esquemas, reproduzindo a dominação de manei

Morte, tempo e memória: 5 ( apêndice ao dicionário da derrota)

Alguns leitores disto  estão, ou estiveram, em terapia comigo e reconhecerão a coisa: arquivar . Utilizo este termo quando a pessoa necessita de aprender a viver com uma  má memória ( das más mesmo). No número anterior falei da teoria do Ferenczi: deprimos porque recordamos a repressão de impulsos associados a determinado acontecimento. Não chega: por vezes é mesmo a mágoa e a dor, simples. Para conseguir arquivar precisamos de conceder à má memória  um lugar respeitável. Pode ser   uma morte, uma ofensa, um amor roubado, a coisa tem é de ter direito a coexistir com o resto da maralha. Ora, isto briga com a tendência natural de querer esquecer... Arquivar significa então reconhecer a impotência diante do passado. Arrumamos as más memórias numa  prateleira poeirenta porque elas fazem parte da mobília. Significa, num campo mais vasto, aceitar que  a vida é um caminho para  a derrota final e inexorável. E é um caminho radioso porque há várias metas-volantes  deliciosas que s

Dicionário da derrota

B Balanço ( s.m.) Deixemos o substantivo e conjuguemos o verbo: eu balanço. Com o Mário de Sá Carneiro: Na minha alma há um balouço Que está sempre a balouçar - Balouço à beira de um poço, Bem difícil de montar... - E um menino de bibe Sobre ele sempre a brincar... Se a corda se parte um dia (E já vai estando esgarçada), Era uma vez a folia: Morre a criança afogada... - Cá por mim não mudo a corda, Seria grande estopada... Se o indez morre, deixá-lo... Mais vale morrer de bibe Que de casaca... Deixá-lo Balouçar-se enquanto vive... - Mudar a corda era fácil... Tal ideia nunca tive... Poucos textos resumem melhor a derrota. Obrigado, Mário. 1ª pess. sing. pres. ind. de "balanço" , in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/balan%C3%A7o [consultado em 14-01-2019]. 1ª pess. sing. pres. ind. de balançar "balanço" , in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha],

Um erro monumental

Esta direcção do partido devia estar como Leonor posta em sossego, praticando a  sua interessantíssima acção política de acção de graças  ao PS, eleita com a segunda pior  votação desde L.F. Meneses e entretida a caçar bruxas internas. Ia a eleições e depois o povo avaliava. Tudo o que sair desta linha tresanda a desastre. Um congresso extraordinário ou reconfirma Rio ou fragiliza um novo boss que passará a ter assestada a mira dos derrotados. A primeira possibilidade desculpabiliza a actual direcção  dos resultados eleitorais, a segunda oferece uma nova direcção sem tempo nem espaço para se estruturar. Dizem que o partido está em risco, que se deve agir agora. Pois deve. Trabalhando politicamente, pensando, escrevendo, falando, reunindo. Não é proibido e é até recomendável.  Chama-se organizar uma alternativa. Por falar em alternativas, outra seria deixar esta pele velha de senadores, barões e caciques municipais ( que trocam de partido como o Futre trocava de clube) e montar

Morte, tempo e memória ( 4)

As memórias são sempre más: se são boas, são más porque são de um tempo  irrepetível; se são más, atormentam-nos. No outro dia estava a pensar naqueles dois golos do Nuno Gomes nas Antas  ( era Koeman): caramba, são boas? Não, não são. Fazem amargar o presente. Um psicanalista chanfrado, Ferenczi, num texto  com um título  ainda mais chanfrado ( The psychic effect of sunbath , 1914 )  discorre sobre a neurose de domingo . A ideia é que todas as memórias depressivas   ligadas a uma data ( dia, hora, ano)  específica  são um gatilho que faz regressar um estado de impulsos reprimidos ( uma constante psicanalítica). Ou seja, deprimimos porque nos lembramos da repressão. É possivel, pese a chanfradice, que o homem tenha uma certa razão. Quando recordamos certos episódios, recordamos também a impotência: apeteceu-me sei lá quê, só queria desaparecer etc, tive vontade de lhe  ir aos fagotes  etc. É curioso que talvez aconteça uma ligeira  variação com as boas memórias: ficamos depr

Morte, tempo e memória : 3 ( apêndice ao Dicionário da derrota)

O único animal que tem a percepção do tempo é também o único que sabe que vai morrer. Óptimo pretexto para falarmos de aniversários. Demoro-me muito a escutar os velhos que me falam  dos seus dias de anos. A regra é a tristeza. Sabem que falta pouco. De vez em quando aparecem umas ( sempre mulheres)  que mostram alegria e satisfação. Essas ouço-as imóvel como um perdigueiro a apontar perdiz. Dizem-me que adoram viver e, apesar da idade, pior seria ir fazê-los ( os anos) à cova. E celebram. Mais sumarentos são os aniversários do plantel  da meia-idade. Lembro-me de uma vez  estar com o  Carlos Amaral Dias à conversa no dia seguinte ao seu sexagésimo aniversário. Não  ferindo a privacidade, digamos que ele estava desanimado. Recuando um bocadinho: e  os cinquentões ( a minha categoria) que juntam amigos  para uma grande farra? Bem, pelo menos nesse dia, com o álcool, não tomam o antidepressivo. Se gostas de viver, gostas de fazer anos. Não pelo aniversário em si, mas pela ló

Dicionário da derrota

B Bailar ( v.t. e v.i.) O baile que a vida nos dá é por demais sabido, não adianta perorar. Mais sumarento é saber como se baila. Por exemplo: aprende-se ou nascemos com o talento? Ballizein , no grego ( que deu o latino ballare ) siginificava lançar, atirar. Aliás,  a origem é comum a balística, a ciência prática de atirar coisas a pessoas que estão atrás de barbacãs e muralhas e assim. Então bailar é atirarmo-nos? Para a frente? Prefiro para trás. Recuar, imaginar que o inimigo não nos topa, ficar na cisterna do castelo  com uma côdea de pão, quedinho e mudo. Isto é um dicionário da derrota, não é?

Morte, tempo e memória : 2 ( apêndice ao Dicionário da derrota)

Forerindring , a dupla recordação. Já a trabalhei  várias vezes nos  livros  e nos blogues. Um casal de velhos junto à lareira. Ela lembra-se daquela vez em que quase contou ao marido que o tinha traído sexualmente quando eram novos.  O ressouvenir * difere da memória  porque não é uma condição transitória, como ele diz? Dá o exemplo da demência. É curioso que quando se instala  um défice cognitivo na velhice as memórias antigas são as últimas a cair Talvez ele tenha razão ( no cap 2 ). Então, o foreindring interessa-nos como técnica para organizar a memória e o ... tempo. O dinamarquês  dá o exemplo de dois homens que recusam rever, por razões diferentes, um determinado lugar. Um deles pode ser motivado por  querer  re-recordar. Tive essa experiência quando  trabalhei na casa onde nasci e vivi até ser adulto. Salas, quartos, paredes,  sons, cheiros: um mundo inteiro reapareceu, mas ainda consigo re-recordar essse mundo à luz da minha infância e não como espaço de trabalho. El