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O PSD, Bourdieu e o bolor

Foi no final do século passado ( Fevereiro de 1999)  que Bourdieu apresentou em Lyon as ideias que viriam  a constar  em Propos sur le champ politique ( PUL, 2000) .  Se o seu conceito de campo politico já era conhecido, nesse trabalho foi mais longe e antecipou, com notável presciência, muito do que observamos hoje. O campo político sofre de uma crise de representação  : a delegação política   já não é suficiente para compreender as relações entre  percepção do mundo social e a luta política. Bourdieu anunciava o aparecimento de relações  diferentes das que os velhos actores do campo politico cultivaram:  a colusão permamente ( alinças e conspirações)  visando a manutenção  da autoridade política e a delegação  política  montada para perpetuar essa colusão.

O que assistimos no PSD, hoje, é uma aula prática da previsão ( entretanto confirmada)  de  Bourdieu.  Incapaz de se ligar ao mundo social,  a actual direcção enredou-se nos velhos esquemas, reproduzindo a dominação de maneira sistémica. Os eleitores normais, olhando para o espectáculo, captam a cadaverização do campo. Se se podem divertir, olhando com curiosidade  a performance da mulher peluda, tenderão, no entanto, a afastar-se higienicamente.

Como no  Bolor, de Abelaira, a relação enre o país e o partido  parece-se cada vez mais com o casamento de Humberto e Maria dos Remédios. Numa relação gasta, Humberto começa a escrever um diário para combater a solidão. Maria também começa a escrever no diário do marido, lamentando a falta de diálogo e de  emoções. E assim comunicam. Ou parece que comunicam.

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