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Showing posts from November, 2018

Benfica Rote Armee Fraktion

Suponhamos que a Maria, ao fim de  mil anos, se vê livre do Asdrúbal que a maltratava, obrigava-a a adoptar crianças com nomes estranhos como Melgarejo ou Bruno Cortez e, ainda por cima, casa-se  com  Bruna, a louca da aldeia. Maria fica doente e por qualquer razão do foro psiquiátrico resolve ir viver outra vez com o Asdrúbal. Pois, mas o Benfica não é a Maria e Jorge Jesus não é o Asdrúbal. A luta armada terá de ser travada porta a  porta, rua a rua, postigo a postigo se necessário. Já não temos a célula do Barreiro, que despachou o Pal Csernai num ápice, teremos de nos reorganizar. Proponho, para já, a criação do Comissariado para a Defesa Vermelha que irá cadastrar todos os resistentes ao ataque que se avizinha.  Diamantino, Chalana e  Nené constituirão a troika dirigente. Como prova de vida, será considerado membro todo aquele que for capaz de escrever  uma  redacção de  dez linhas com sangue  obtido  de um pequeno corte no polegar esquerdo ( os canhotos podem trocar)

Dicionário da derrota

B Bacalhau ( s.m.) É um dos sereníssimos  príncipes da derrota: seja na forma marítima seja na transmissão de vírus  e bacilos. O peixe é uma história de pobreza   e religião ( Quaresma) , mas também de arrobo e complicação. Fazer do pitéu nacional uma coisa que se vai buscar a milhares de milhas naúticas, quando de tem ( tinha...) uma costa  deliciosa,  é obra.  Hoje a derrota  é total. O bicho é pescado cada vez mais pequeno e está a desaparecer. Muito pior: os nossos michelins, embaixadores da cozinha nacional,  servem lombos  frescos em vez do salgado. Os outros  ( quase  todos)  tratam-no abaixo  de Trump: não me lembro da última vez que o comi num restaurante. O aperto de mão, esse  é um bacalhau insano. A prova de que a sociabilidade é um veículo de transmissão de moléstias variadas. O meu telemóvel tem por função quase exclusiva  estar na mão direita.

Dicionário da derrota

B Baba ( s.m, s.f.) Poucas são as que compreendem tantos significados diferentes:  a baba do desejo, a baba da crise convulsiva,  a baba dos bebés, a baba pré-vómito  e a baba pela lisonja.  A baba do desejo é a mais cativante.  Talvez que, como no caso da raiva, a inflamação cerebral provoque essa resposta.  Não é certo que esteja na lista  dos piropos: Carla Vanessa, o teu rabo está  a inflamar-me os neuroreceptores acetilcolinérgicos muscarínicos. Seja como for, em bêbados,  doentes ou, pior, em indivíduos  susceptíveis à lisonja, a baba é sinal da derrota. É uma promessa, apenas uma promessa.

Dicionário da derrota

A Aturar ( v.t., v.i.) Quanto mais derrotados, mais difíceis de aturar. Poderá vir de obturare : fechar, selar...o quê?  Talvez no sentido de suportar  qualquer coisa. Sim, a nossa ciclotimia faz-nos andar a cavalo e ser o cavalo. A solidão é o único recurso. Mais tarde ou mais cedo, de lei  ou informal, acaba por ser desejada. Teremos sempre o picadeiro.

No limite nem existe governo

Exceptuando a devolução de rendimentos e a reversão de algumas medidas do governo anterior ( e muitas estão em águas  de bacalhau), o que temos de três anos de governo? Anúncios, imensos, é verdade, e estagnação. O bacalhau ao menos muda de águas de vez em quando. Um contexto favorável ( juros baixos) e um turismo pletórico com imenso emprego precário directo  e indirecto, aumento do consumo privado com o óbvio aumento do crédito ao consumo, divída pública sempre a abrir.  Coisas boas e más, mas accção governativa, coisas feitas pelo governo, nicles. A barriga serve para empurrar. Não podia ser  de outra forma.  PCP e Bloco  nunca apoiariam  um governo reformista, porque são, essencialmente, advogados do sector publico. E o sector público precisa de representação porque é pobre e mal pago. Também eu preferia trabalhar na  cozinha de um restaurante  ( onde não faria má figura), e sei exactamente o que me esperava, a ser professor numa secundária, ou polícia,  mesmo com o dobro do

Dicionário da derrota

A Atingir ( v.t.) Complementa objectivo alcançado, tarefa terminada e todas essas coisas. Salvo o tradicional tiro no pé, não é do nosso campeonato. O herói é Trotsky. Em Fevereiro de 1918,  em Brest-Litovsk, as negociações estavam num impasse. A certa altura, apertadíssimo, Trotsky virou-se para o impaciente Hofmann e sugeriu: Não assinamos a paz, mas acabamos  a guerra. O prussiano estarreceu e   ficou com o bigode vermelho. É uma belíssima forma de atingir o objectivo: não desisto, mas também não continuo.

Dicionário da derrota

A  Atenção ( s.f., interj.) A distracção  permanente é coisa de espíritos menores. Sei-o muito bem. Como qualquer miúdo, começo uma coisa e num apículo já estou noutra. Um intelecto  superior não se desvia da tarefa. Não se maravilha com a paleta de estímulos, antes porfia no objectivo que traçou. Se bispa outra coisa digna de atenção, guarda-a para mais tarde examinar e classificar. Já o desatento nasce com electródos na cabeça.

Dicionário da derrota

A Atalho ( s.m.) Pode ser perigoso. Martim Gil, o Soverosa , nos arrabaldes de Moreira  de Rei ( perto de Trancoso) , tentou um para apanhar   Fernão  Garcia, o Esgaravunha , mas D.Sancho  não deixou. Pese o Soverosa   ser seu  homem de confiança, entendeu o rei que não era fair play . O VAR funcionou  e  o atalho não conduziu ao sucesso. Nunca conduz. Ainda assim, é uma tentação. Queremos ir mais depressa, mas as mais das vezes queremos é facilidades. Tantas vezes tentei  resolver os problemas de matemática do maldito manual do Palma Fernandes começando  pela solução... Nunca se consegue, mas o  atalho é magnético. Como o abismo.

Dicionário da derrota

A Asilo ( s.m.)  Claro, também podemos  ir pela conjugação do   verbo transitivo e pronominal. Quem asilamos? Quem se asila? Tenho a fixação. A referência nisto é  de Sófocles, no seu menos conhecido Édipo em Colono . Velho alquebrado  e cego, expulso  de Tebas, pára às portas de Colono ( um súburbio vegan de Atenas), amparado  por Antígona. Interrogado sobre  que  utildade pode ter um homem privado da vista, Édipo responde:  Aquilo que eu  disser terá visão infalível . É uma derrota sublime do asilado: sabe mais do que os que o acolhem. 1ª pess. sing. pres. ind. de "asilo" , in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/asilo [consultado em 14-11-2018]. s. m. 1ª pess. sing. pres. ind. de "asilo" , in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/asilo [consultado em 14-11-2018].

Dicionário da derrota

A Arame ( s.m.) Quam não se lembra da Marlene no arame dos velhos circos de estrada? Quase se esparramava no chão,  mas nunca se esparramava no chão -  ainda que fosse isso que (quase)  todos queriam ver. Queriam ver, mas tinham medo de ver. É por aqui. Andar no arame é uma necessidade. Sabemos que faz mal , mas usamos;  sabemos que nos vamos tramar, mas fazemos.  Gostamos , como a Marlene, de exibir a destreza no arame. E também somos, ao mesmo tempo, espectadores da Marlene: daquele bocadito da  ( nossa) vida frágil em cima do arame.

Dicionário da derrota

A Aparador ( adj., s.m.) Tenho um muito antigo, foi dos meus avós e depois dos meus pais, nunca percebi o que é que apara. Tem armários e gavetas.  Toalhas, talheres, copos, decanters   e o meu Lagavulin. Bem, lá vai aparando os que vão morrendo. Quando chegar a minha vez, os meus filhos trocam-no por uma viagem a Bali ou ao Dubai ou outra mesunhice. Aparar golpes é outro registo decorativo. E também muito funcional. Se há coisa em  que  a derrota nos especializa é nisso, chega a ser viciante a forma como os antecipamos. Os que nos crismam de falhados nem imaginam a mestria com que sobrevivemos.

O complexo Jaime Neves

É notável como, tantos anos depois do 25/4, ainda  usamos os eufemismos. E, pior, acreditamos neles. Notem: o CDS é da democracia cristã e deve  estar ao centro, segundo o seu símbolo e os princípios fundacionais de Freitas do Amaral e Amaro da Costa. O PSD é geneticamente de centro-esquerda, honrando  a memória de um Sá Carneiro agora  travestido de Magalhães Mota e do seu agrément com a FRS. Não é difícil explicar o complexo.  Desde o 25/4 que as organizações políticas de esquerda reivindicam a  autoria  exclusiva de 3 coisas: a) a liberdade, b) a gratuitidade  da saúde e da educação, c) a manutenção de um Estado empregador. A primeira  vem do direito primacial de terem derrubado fascismo, as outras duas do edifício  ideológico e da pobreza real que vigorava no país  durante o regime que derrubaram. Todas lhes  conferem uma superioridade moral inatacável, que usam por contraponto ao regresso ao passado ou, em alternativa, à adesão ao neoliberalismo. Exceptuando

Dicionário da derrota

A Anestesia ( s.f.) O uso clínico - foi o dr James Simpson, em 1848, o primeiro a dar-lhe o siginificado médico-  não é tão parvo como parece. Não sentir ( an + aisthesis )  em função de um determinado estímulo é um bom caminho do bosque. Resta saber que cogumelos ingerir. O que  interesa aqui não é ser desapiedado, antes conseguir  que  o estímulo faça com que os outros estímulos não provoquem efeito. O problema é que isto não é suficiente. Diante de potenciais suicidas ( reais) pergunto-lhes se não têm pena do que vão sentir os outros : Sim, tenho, mas tem de ser . Esta anestesia é de lei: muito sentir, nada sentir.

Dicionário da derrota

A Amor ( s.m.) Se amar é uma  perda de tempo, o amor é outra louça. Todos acabam, é verdade, mas por isso mesmo são independentes do amador.  Esta regra  torna-o num dos mais eficientes plenipotenciários da derrota. Amar todos conseguem. Goebbels amava Magda e  os filhos, os assassinos das mulheres amam-nas tanto que as matam à marretada. Já o amor, livre da debilidade humana, eleva  a derrota ao paradoxo máximo. O meu amor por ti acabou   significa a capitulação: o amor tem vontade própria.