É notável como, tantos anos depois do 25/4, ainda usamos os eufemismos. E, pior, acreditamos neles. Notem: o CDS é da democracia cristã e deve estar ao centro, segundo o seu símbolo e os princípios fundacionais de Freitas do Amaral e Amaro da Costa. O PSD é geneticamente de centro-esquerda, honrando a memória de um Sá Carneiro agora travestido de Magalhães Mota e do seu agrément com a FRS.
Não é difícil explicar o complexo. Desde o 25/4 que as organizações políticas de esquerda reivindicam a autoria exclusiva de 3 coisas:
a) a liberdade,
b) a gratuitidade da saúde e da educação,
c) a manutenção de um Estado empregador.
A primeira vem do direito primacial de terem derrubado fascismo, as outras duas do edifício ideológico e da pobreza real que vigorava no país durante o regime que derrubaram. Todas lhes conferem uma superioridade moral inatacável, que usam por contraponto ao regresso ao passado ou, em alternativa, à adesão ao neoliberalismo.
Exceptuando a AD do período de Sá Carneiro ( o estertor feral de Balsemão não conta) , à época um fascista, com a proposta de extinção do Conselho da Revolução e a revisão da Constituição, não houve, no plano programático, mais nenhuma alternativa ao domínio socialista e para-socialista. Os governos de Cavaco Silva foram administradores dos fundos europeus, mantendo-se intacto, e até reforçado, o aparelho estatal em alegre conúbio com oportunistas de boa cepa.
Uma federação das direitas, como propõe o Miguel Morgado, se for nos moldes tradicionais de oferecer um alvo ( uma sigla, um partido etc) não tem nenhuma chance contra o fantasma do fim da gratuitidade e do estado empregador e clientelar ( veja-se as autarquias).
A única hipótese de uma direita liberal é adaptar-se às alterações do ecossistema. Recusando os eufemismos, assumir o desenvolvimento em vez da sobrevivência pontuada pelas bancarrotas. É um caminho das pedras, sim, que implica um longo jejum de poder.
A adaptação significa entender que a informação e o debate já não são prerrogativas das antigas estruturas de propaganda e que existe um espaço entre a voz pública e o poder que pode, e deve, ser ocupado. Já não trata de grandioloquentes discursos programáticos, mas, como dizia Sá Carneiro, no texto citado, de ir ao encontro das necessidades das pessoas.
É de uma acção política ágil, alveolar e sistemática, que se fala aqui. Isto implica muito trabalho de terreno, ideias claras e objectivos simples e funcionais. Um pequeno comerciante e um enfermeiro não têm de partilhar simpatias por uma alternativa ao socialismo, mas podem compreender que existem coisas que talvez melhorem as suas vidas. Uma ideia hegemónica não se combate de frente. Derruba-se explorando as falhas e as incongruências e, sobretudo, denunciando os papões que utiliza para manter a apatia.
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