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Morte, tempo e memória : 2 ( apêndice ao Dicionário da derrota)

Forerindring, a dupla recordação. Já a trabalhei  várias vezes nos  livros  e nos blogues.
Um casal de velhos junto à lareira. Ela lembra-se daquela vez em que quase contou ao marido que o tinha traído sexualmente quando eram novos.  O ressouvenir * difere da memória  porque não é uma condição transitória, como ele diz? Dá o exemplo da demência. É curioso que quando se instala  um défice cognitivo na velhice as memórias antigas são as últimas a cair Talvez ele tenha razão ( no cap 2).
Então, o foreindring interessa-nos como técnica para organizar a memória e o ... tempo. O dinamarquês  dá o exemplo de dois homens que recusam rever, por razões diferentes, um determinado lugar. Um deles pode ser motivado por  querer  re-recordar. Tive essa experiência quando  trabalhei na casa onde nasci e vivi até ser adulto. Salas, quartos, paredes,  sons, cheiros: um mundo inteiro reapareceu, mas ainda consigo re-recordar essse mundo à luz da minha infância e não como espaço de trabalho.
Ele não  aplica o conceito aos lutos, mas eu sei que é possível, tenho-o visto muitas vezes na clínica.  Por exemplo, a  mãe , com um filho internado e   a morrer  no hospital,  que se lembra  de não querer usar chinelas como as outras mães.
O foreindring faz de nós argonautas criativos a traçar um percurso que já fizemos, é o que é.





* na trad. francesa

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