Skip to main content

Sexo & divórcios

Já ouvi centenas de  justificações para divórcios. Todas excelentes, nenhuma dúvida. Recordo uma, transmitida  pela mulher, jovem, com uma bebé de um ano: Ele está sempre a ver programas de que eu não gosto e não me deixa ter o comando. É uma boa causa. Tirassem-me a Benfica TV e haviam de ver em quanto tempo alugava um T2.
Há uma, no entanto, que nunca ouvi: o sexo é mau. E é notável, porque  o que distingue um casal de um par de amigos ou de irmãos que vivem juntos é o sexo.

Quando falo de sexo falo de tudo: provocação, aggiornamento, evolução, privacidade. As pessoas, sem  dar conta, vão perdendo a zona vermelha: dos cheiros, risos, pele, excitação. Isto faz com que o casal constitua  a comissão política  exclusivamente sobre a intendência: contas do gás, crianças, microondas avariado etc. Serão assuntos  importantes, acredito, mas  enredados numa lógica cooperativa semelhante à da vida profissional ou do condomínio.

O quarto ( ou equivalente) é o espaço conspirativo que ignora a lógica  cooperativa. O que lá se faz não paga contas nem garante boas notas ao filho cábula. O que lá se faz é anterior a tudo o que se faz depois. O abandono da subversão sexual é tão brutal que os casais nem se lembram dela na altura de justificar  a secessão.

Comments

Popular posts from this blog

After eight

Depois da excitação sasonal, o assunto da morte de mulheres vai voltar ao remanso. Quando publiquei o livro pude estender o lençol , mas o registo pseudo-literário evitou algumas notas. Agora posso pôr a colcha. Na minha actividade profissional encontro amiúde o início do processo. Mais: encontro até processos que não chegam a ser. Duas correntes: a necessidade assumida que muitas mulheres  têm hoje de uma vida amorosa plena e a estupidificação dos maridos/companheiros/namorados diante dessa necessidade. Se a esmagadora maioria da violência sobre  elas  tem a ver com ciúme  e posse, temos de examinar a evolução das relações amorosas. O João foca-se aqui na saudade dos velhos mecanismos da solidariedade mecânica, como Durkheim a definiu, mas eles morreram bem antes do surto actual. Falando simples: se elas amochassem como amochavam há 40 anos ( não é preciso ir à sociologia do século XIX), muitos destes crimes não ocorriam hoje. A posse, a ilusão de uma ...

Farsas

Os três filmes sobre a luta contra  o comunismo na Polónia são polacos. Ou seja, o assunto, um dos mais importantes da vida europeia do final do século  XX, nunca interessou às grandes companhias  de Hollywood nem aos produtores, intelectuais e artistas franceses ou ingleses.    Há coerência. Também são raríssimas as incursões da  Europa ilustrada e unida contra o populismo, o fascismo e as fakes news, no quotidiano  de metade dos (actuais) europeus  sob a pata das polícias secretas, da interdição de manifestações, da proibição de livros e do encarceramento por delito de opinião. É evidente que eleger o assunto como tema de atenção significaria mostar como funcionou, na prática, o comunismo. Nos detalhes da repressão e da pobreza e não no palavreado do progresso e  da liberdade. Também havia episódios burlescos. Na Polónia as pessoas festejam o aniversário e o dia  do seu santo.  Quando era a vez de Walesa, uma especta...

Morte, tempo e memória ( 4)

As memórias são sempre más: se são boas, são más porque são de um tempo  irrepetível; se são más, atormentam-nos. No outro dia estava a pensar naqueles dois golos do Nuno Gomes nas Antas  ( era Koeman): caramba, são boas? Não, não são. Fazem amargar o presente. Um psicanalista chanfrado, Ferenczi, num texto  com um título  ainda mais chanfrado ( The psychic effect of sunbath , 1914 )  discorre sobre a neurose de domingo . A ideia é que todas as memórias depressivas   ligadas a uma data ( dia, hora, ano)  específica  são um gatilho que faz regressar um estado de impulsos reprimidos ( uma constante psicanalítica). Ou seja, deprimimos porque nos lembramos da repressão. É possivel, pese a chanfradice, que o homem tenha uma certa razão. Quando recordamos certos episódios, recordamos também a impotência: apeteceu-me sei lá quê, só queria desaparecer etc, tive vontade de lhe  ir aos fagotes  etc. É curioso que talvez aconteça um...