É notável como uma coisa maravilhosa pode ser tão desprezada. Acorda-se vivo, os os nossos estão bem, o café está feito. Se digo isto na clínica, olham-me com um sorriso de compreensão pelo tolinho que os devia estar a tratar e afinal não acende as luzes nos andares todos. Por vezes rematam o sr dr não sabe o que a vida pode trazer . Nessas alturas sorrio eu: pois é, pois é...
Do optimismo não sei nada, salvo antes de cada jogo do Glorioso, mas do desperdício da vida , ao fim destes anos todos, sei alguma coisa. A insanidade é um agente duplo: as pessoas acham tão vulgares tantas coisas boas que têm, que não lhes passa pela cabeça que possam ser traídas na próxima esquina. O contra-argumento conheço-o de gingeira: então devíamos andar tolinhos de contentes porque os miúdos estão bem, o carro não foi parar debaixo de um camião, o ordenado foi depositado etc?
Não se trata de andar contente ou triste. Ele há malta que anda contente em jornadas vingativas e outra que anda triste porque que pesa cem gramas a mais. Trata-se de ter a inteligência de compreender que o que temos de bom em cada instante é um prazer fragilíssimo, sobretudo, de aceitar que quase nada nos pertence: o aluguer é renovado todo os dias.
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