Amor louco: eu contigo e tu com outro, já diziam os antigos. Imaginemos uma coisa parecida hoje.
Suponhamos que uma herdeira da cortiça ou dos hipermercados, de 48 anos, desaparecia e era encontrada meses depois a viver com um segurança vinte anos mais novo. Até aqui tudo igual. Mesmo no nosso tempo seria possivel o desejo de recato e privacidade, bastando desligar o telemóvel e não frequentar as redes sociais. A comoção na família endinheirada e o interesse mediático também não seria muito diferente.
Outra conversa seria o estatuto de Maria Adelaide hoje: presença em todos os telejornais e capas de revistas, símbolo da pureza do amor, emblema da nova condição feminina etc. A família endinheirada e famosa ficaria com o labéu de reaccionária-marialva e não lhe restaria mais do que deixar de prestar declarações.
A diferença mais importante, no entanto, seria outra. À época, os pincipais especialistas - Sobral Cid, Egas Moniz, Júlio de Matos - garantiram um epsisódio de loucura lúcida ou, na melhor das hipóteses, uma disparatada pulsão sexual de derniére pluie, coisa que hoje seria enquadrada num surto maníaco, por exemplo.
A superioridade da ciência sobre a crença não assenta na sua infalibilidade, antes na sua falsicabilidade. Uma teoria hoje excelente amanhã é arrasada, é assim que funciona. O problema, como Foucault imortalizou, é o uso social e político de cada momento científico. No outro dia falava, na clínica, com uma mulher jovem e assertiva, que me debitava verdades axiomáticas da psicologia actual. Dispus-me a emprestar-lhe um ou dois exemplares dos muitos livros de psiquiatria que herdei do meu pai. Edições luxuosas dos anos 70, reunindo os melhores da altura em congressos mundiais: a homossexualidade era , obviamente, uma patologia.
Maria Adelaide publicou a sua defesa, reeditada pela Bertrand em 2018; como diz a autora do texto, e muito bem, devia ser ensinada nas faculdades de psicologia.
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