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Dicionário da derrota

A

Amar ( v.t.)

Uma perda de tempo. Todos os amores acabam. Numa autoestrada, num aeroporto, numa unidade de cuidados continuados, numa  sms. São bons enquanto duram? Sim,  como um corneto. Da Olá.

Conheci no outro dia um casal de velhotes casados há 67 anos. Agora passam os dias  a discutir quem está mais xexé.  Sempre fica alguma coisa do amor. Tive de arbitrar a disputa.  Disse-lhes que estão ambos óptimos. Menti. Em Roma sê romano.

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After eight

Depois da excitação sasonal, o assunto da morte de mulheres vai voltar ao remanso. Quando publiquei o livro pude estender o lençol , mas o registo pseudo-literário evitou algumas notas. Agora posso pôr a colcha. Na minha actividade profissional encontro amiúde o início do processo. Mais: encontro até processos que não chegam a ser. Duas correntes: a necessidade assumida que muitas mulheres  têm hoje de uma vida amorosa plena e a estupidificação dos maridos/companheiros/namorados diante dessa necessidade. Se a esmagadora maioria da violência sobre  elas  tem a ver com ciúme  e posse, temos de examinar a evolução das relações amorosas. O João foca-se aqui na saudade dos velhos mecanismos da solidariedade mecânica, como Durkheim a definiu, mas eles morreram bem antes do surto actual. Falando simples: se elas amochassem como amochavam há 40 anos ( não é preciso ir à sociologia do século XIX), muitos destes crimes não ocorriam hoje. A posse, a ilusão de uma ...

Farsas

Os três filmes sobre a luta contra  o comunismo na Polónia são polacos. Ou seja, o assunto, um dos mais importantes da vida europeia do final do século  XX, nunca interessou às grandes companhias  de Hollywood nem aos produtores, intelectuais e artistas franceses ou ingleses.    Há coerência. Também são raríssimas as incursões da  Europa ilustrada e unida contra o populismo, o fascismo e as fakes news, no quotidiano  de metade dos (actuais) europeus  sob a pata das polícias secretas, da interdição de manifestações, da proibição de livros e do encarceramento por delito de opinião. É evidente que eleger o assunto como tema de atenção significaria mostar como funcionou, na prática, o comunismo. Nos detalhes da repressão e da pobreza e não no palavreado do progresso e  da liberdade. Também havia episódios burlescos. Na Polónia as pessoas festejam o aniversário e o dia  do seu santo.  Quando era a vez de Walesa, uma especta...

Morte, tempo e memória ( 4)

As memórias são sempre más: se são boas, são más porque são de um tempo  irrepetível; se são más, atormentam-nos. No outro dia estava a pensar naqueles dois golos do Nuno Gomes nas Antas  ( era Koeman): caramba, são boas? Não, não são. Fazem amargar o presente. Um psicanalista chanfrado, Ferenczi, num texto  com um título  ainda mais chanfrado ( The psychic effect of sunbath , 1914 )  discorre sobre a neurose de domingo . A ideia é que todas as memórias depressivas   ligadas a uma data ( dia, hora, ano)  específica  são um gatilho que faz regressar um estado de impulsos reprimidos ( uma constante psicanalítica). Ou seja, deprimimos porque nos lembramos da repressão. É possivel, pese a chanfradice, que o homem tenha uma certa razão. Quando recordamos certos episódios, recordamos também a impotência: apeteceu-me sei lá quê, só queria desaparecer etc, tive vontade de lhe  ir aos fagotes  etc. É curioso que talvez aconteça um...