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Talk to me, lie to me

A popular série de TV, divertida   e  simplória, contém, ainda assim, 10% de verdades sobre a linguagem corporal. Às vezes surpreendo uma primeira consulta com duas ou três conclusões apenas a partir  das expressões faciais, do olhar, dos gestos, da posição  do corpo. Depois explico que não sou vidente e a pessoa acaba por perceber quão fácil e lógico era o arquivo de deduções.
O osso é a especificidade de cada caso. Uma pessoa apresentar uma linguagem corporal ansiosa não me diz nada sobre a causa, ou seja, sobre a pessoa, até começarmos a falar. Passamos,  portanto, da exibição à estrutura.

É quando a pessoa mete a linguagem corporal no discurso que as coisas se tornam interessantes. O casamento ( ou a relação) está bem, mas há uma fracção de segundo em que ela olha para baixo quando diz bem. Estava em contacto visual comigo, mas nessa altura interrompe-o. É básico, mas funciona. Exige muito mais atenção - e experiência - a pessoa que vai falando sobre tudo - as coisas boas e as más -  com o mesmo display emocional. Pior ainda é quando a pessoa isola os sintomas de qualquer  avaria na sua vida. Nessa altura tenho duas opções: ou a ouço pensando nos golos do Jonas ou passo ao ataque.

Atacar significa crer que  a pessoa me está a dar tanga. Está tudo bem mas anda deprimida, cefaleias, ansiosa,  dorme mal. Nessa altura visto o fato de interrogador profissional. Como quem não quer a coisa, passo em revista todos os detalhes da vida dela. Quem leva à escola  a filha mais nova, como foi a sua infância,  as relações com os pais,  o sexo, o que comem ao sábado à noite etc. Na esmagadora  maioria dos casos acabo por encontrar tumores.

O ponto é este: quem não quer falar sobre o que  o aflige, costuma sentir-se culpado ou impotente. Como nos bons interrogatórios, tem de se encontrar o que a pessoa sabe mas não sabe que sabe.

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