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Morte, tempo e memória : 1 ( apêndice ao Dicionário da derrota)

O título é pesado, mas haja alegria; como escreveu  o Pessoa, hoje o almoço é amanhã. As três categorias dançam juntas tantas vezes que também  isso aqui será inevitável, mas por vezes actuarão sozinhas. 

Desde o tempo da publicação do Educação  para  a morte ( Bertrand 2008)  que fui ficando ainda mais enredado no estudo das perdas. A prática  clínica como psicólogo favorece a teia porque estou sempre mais atento a casos que envolvam  este mato. A minha história pessoal ,  a morte de um filho em 1998, deu-me o doutoramento:  tão  útil quanto desnecessário.
O tempo e  a memória existem, claro, fora  das perdas...físicas.  Assumo uma base: só perdemos o que era  bom, por isso tempo e memória serão ( quase) sempre  tratados aqui com  a nostalgia numa mão e a lente na  noutra. Pelo meio, as imprescindíveis  ferramentas da subversão.

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Operárias, donas de pequenos aviários, empregadas de supermercados. Quando comecei, no século passado, era raríssimo ter com elas conversas sobre sexo e aparecerem-me  produzidas no gabinete, orgulhosas das unhas de gel ou das tatuagens. Eles, por seu turno, aparecem-me da mesma maneira. A pegunta dos cem milhões ( pelo menos a que eu faço a mim próprio)  é: por que motivo não evoluíram eles também ? Encontro os mesmos pressupostos de posse e mando que encontrava no século passado. Isto significa o total desinvestimento na relação amorosa. Um exemplo:  tenho mulheres casadas /juntas que não se lembram  da última vez em que foram jantar a dois ou numa escapadinha de fim de semana. Quando os confronto, depois das desculpas dos gastos ( muitas vezes espúrias porque gastam eles mais  nos seus hóbis), indagando se não faria bem à relação, lá vem o tijolo: Bem a quê? Estamos juntos há muito tempo, nada está mal . Esta pequena migalha do meu  gabinete serve apenas para ilustrar uma