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Morte, tempo e memória : 1 ( apêndice ao Dicionário da derrota)

O título é pesado, mas haja alegria; como escreveu  o Pessoa, hoje o almoço é amanhã. As três categorias dançam juntas tantas vezes que também  isso aqui será inevitável, mas por vezes actuarão sozinhas.  Desde o tempo da publicação do Educação  para  a morte ( Bertrand 2008)   que fui ficando ainda mais enredado no estudo das perdas. A prática  clínica como psicólogo favorece a teia porque estou sempre mais atento a casos que envolvam  este mato. A minha história pessoal ,  a morte de um filho em 1998, deu-me o doutoramento:  tão  útil quanto desnecessário. O tempo e  a memória existem, claro, fora  das perdas...físicas.  Assumo uma base: só perdemos o que era  bom, por isso tempo e memória serão ( quase) sempre  tratados aqui com  a nostalgia numa mão e a lente na  noutra. Pelo meio, as imprescindíveis  ferramentas da subversão.

Dicionário da derrota

B Baderna ( s.f.) Associo sempre esta palavra  a economia. Até ir à tropa,  nunca me tinha interessado por finanças ou gestão. Depois de lá ter estado, constrangido,  ano meio, compreendi perfeitamente o que significa o desperdício  pornográfico de recursos. Toneladas de roupa e comida, milhões de euros ( contos na altura) em ordenados, contas astronómicas de electricidade, gasóleo etc. E para quê? para nada. Rigorosamente nada excepto a manutenção de uma classe profissional. A baderna era o que o sargento Santos dizia que não queria. Eu fui sempre bom na baderna. Chegar atrasado  à formação para ordem unida, não respeitar o horário de recolher o quartel e por aí fora. Mais tarde, como oficial, a baderna continuou a acompanhar-me como fradilqueira na destoca de coelhos. Fiz o possível para corromper o serviço que chefiava. Fui o único que não recebeu louvor. Temos, portanto, que  baderna significa serviço militar obrigatório.

Benfica Rote Armee Fraktion

Suponhamos que a Maria, ao fim de  mil anos, se vê livre do Asdrúbal que a maltratava, obrigava-a a adoptar crianças com nomes estranhos como Melgarejo ou Bruno Cortez e, ainda por cima, casa-se  com  Bruna, a louca da aldeia. Maria fica doente e por qualquer razão do foro psiquiátrico resolve ir viver outra vez com o Asdrúbal. Pois, mas o Benfica não é a Maria e Jorge Jesus não é o Asdrúbal. A luta armada terá de ser travada porta a  porta, rua a rua, postigo a postigo se necessário. Já não temos a célula do Barreiro, que despachou o Pal Csernai num ápice, teremos de nos reorganizar. Proponho, para já, a criação do Comissariado para a Defesa Vermelha que irá cadastrar todos os resistentes ao ataque que se avizinha.  Diamantino, Chalana e  Nené constituirão a troika dirigente. Como prova de vida, será considerado membro todo aquele que for capaz de escrever  uma  redacção de  dez linhas com sangue  obtido  de um pequeno...

Dicionário da derrota

B Bacalhau ( s.m.) É um dos sereníssimos  príncipes da derrota: seja na forma marítima seja na transmissão de vírus  e bacilos. O peixe é uma história de pobreza   e religião ( Quaresma) , mas também de arrobo e complicação. Fazer do pitéu nacional uma coisa que se vai buscar a milhares de milhas naúticas, quando de tem ( tinha...) uma costa  deliciosa,  é obra.  Hoje a derrota  é total. O bicho é pescado cada vez mais pequeno e está a desaparecer. Muito pior: os nossos michelins, embaixadores da cozinha nacional,  servem lombos  frescos em vez do salgado. Os outros  ( quase  todos)  tratam-no abaixo  de Trump: não me lembro da última vez que o comi num restaurante. O aperto de mão, esse  é um bacalhau insano. A prova de que a sociabilidade é um veículo de transmissão de moléstias variadas. O meu telemóvel tem por função quase exclusiva  estar na mão direita.

Dicionário da derrota

B Baba ( s.m, s.f.) Poucas são as que compreendem tantos significados diferentes:  a baba do desejo, a baba da crise convulsiva,  a baba dos bebés, a baba pré-vómito  e a baba pela lisonja.  A baba do desejo é a mais cativante.  Talvez que, como no caso da raiva, a inflamação cerebral provoque essa resposta.  Não é certo que esteja na lista  dos piropos: Carla Vanessa, o teu rabo está  a inflamar-me os neuroreceptores acetilcolinérgicos muscarínicos. Seja como for, em bêbados,  doentes ou, pior, em indivíduos  susceptíveis à lisonja, a baba é sinal da derrota. É uma promessa, apenas uma promessa.

Dicionário da derrota

A Aturar ( v.t., v.i.) Quanto mais derrotados, mais difíceis de aturar. Poderá vir de obturare : fechar, selar...o quê?  Talvez no sentido de suportar  qualquer coisa. Sim, a nossa ciclotimia faz-nos andar a cavalo e ser o cavalo. A solidão é o único recurso. Mais tarde ou mais cedo, de lei  ou informal, acaba por ser desejada. Teremos sempre o picadeiro.

No limite nem existe governo

Exceptuando a devolução de rendimentos e a reversão de algumas medidas do governo anterior ( e muitas estão em águas  de bacalhau), o que temos de três anos de governo? Anúncios, imensos, é verdade, e estagnação. O bacalhau ao menos muda de águas de vez em quando. Um contexto favorável ( juros baixos) e um turismo pletórico com imenso emprego precário directo  e indirecto, aumento do consumo privado com o óbvio aumento do crédito ao consumo, divída pública sempre a abrir.  Coisas boas e más, mas accção governativa, coisas feitas pelo governo, nicles. A barriga serve para empurrar. Não podia ser  de outra forma.  PCP e Bloco  nunca apoiariam  um governo reformista, porque são, essencialmente, advogados do sector publico. E o sector público precisa de representação porque é pobre e mal pago. Também eu preferia trabalhar na  cozinha de um restaurante  ( onde não faria má figura), e sei exactamente o que me esperava, a ser professor numa s...